quinta-feira, 5 de abril de 2012

Amor divino e Paixão humana


O futebol mexe com os brios de pelo menos 80% da população mundial. É um sentimento incontrolável e inexplicável. Nem sempre é sinônimo de patriotismo, pois para a esmagadora maioria, o seu clube é mais importante que a seleção do seu país, e estou inserido na estatística. Nenhuma forma de amor é tão voraz, insaciável e explosiva nesse mundo terreno que aquela que um torcedor carrega no peito.
É divina, pois sabe perdoar e não guarda mágoa. Seu time pode ter perdido, sido humilhado e você pode até ir dormir de cabeça quente (ou não conseguir dormir) e dizer “eu nunca mais quero saber de futebol!”. Porém, no dia seguinte já acorda fazendo contas para a tabela de classificação. É, meu caro, você já perdoou. Não há como guardar rancor de algo tão nobre que nos alegra e nos desespera no mesmo minuto. É amor divino pois não há preconceito nem ciúme. Afinal, se você torce por um time, você não se importa que outras pessoas também torçam. Não é como uma mulher, que você odiaria que outra pessoa a amasse. Quem frequenta estádio sabe: na hora do gol, todo mundo é irmão. Já abracei tanta gente fedorenta que na hora parecia abraçar um anjo. Não tem divisão. Qualquer um pode amar seu time. O favelado, o miserável, a classe média e o milionário. É um amor bíblico que sabe esperar quarenta anos vagando pelo deserto em busca da terra prometida (ou um título), que é incondicional e milagroso. É um amor que leva do inferno ao céu e vice-versa.
E a fidelidade é crucial para a divindade do negócio. Conhece alguém que tenha trocado de time? Dificilmente. É um amor que você escolhe ao nascer. Na verdade, não se escolhe. É como se cada um fosse selecionado para perecer diante de um time sua vida toda. Claro, tem aqueles que trocam de time por causa de namorado, da sogra ou pelo dinheiro ou qualquer outra coisa. Francamente, quem trai um amor tão sincero desse não deve ter amor próprio, e um traidor assim não é perdoado. Um exemplo são os jogadores. O atleta troca seu time por um rival. Pode ser que seja um salário melhor ou coisa e tal e os sabichões intelectuais irão falar “ah, ele é um profissional”. Sim, ele é um profissional. Porém, você leva uma bandeira com o rosto do padeiro quando vai comprar pão? Os pacientes cantam em coro o nome da clínica e do médico enquanto sentam na sala de espera? Você compra uma camisa com o nome do seu advogado nas costas? Provavelmente não. Portanto, não é uma simples troca de uma empresa por outra, mas sim uma apunhalada no peito fiel de um torcedor apaixonado. E por ser um amor divino, pecados capitais não devem ser perdoados…
Todavia, por ser uma paixão, é propriedade humana, e aí que a coisa fica mais intrigante. O ser humano apaixonado é capaz de tudo, e nem sempre isso é um aspecto positivo. O apaixonado briga, sai no tapa, na faca, na bala, e isso é o que vem acontecendo nos estádios e arredores. Amantes organizados brigando para saber quem é o melhor, sendo que isso se resolve no campo, não fora dele. Não só a questão das brigas e da violência, mas o sofrimento aqui fala mais alto. Quando o time perde, o torcedor não quer almoçar, não quer sair, não quer atender o telefone. A derrota é a TPM masculina. É uma prova de sensibilidade de uma mulher não mexer com um macho derrotado, pois este sofre. É uma automutilação, pois mesmo com a certeza da derrota, não sai do estádio e nem da frente da TV, sofrendo a cada instante e depois dele. Sofre como quem dá-se ao carrasco. Uma dor lancinante, um remorso, uma angústia, um arrependimento (ainda que não foi você quem levou o frango ou perdeu o pênalti), o mais amargo e depressivo dos sentimentos. Não demora muito, semana que vem pode ser resolvido com um gol. E é assim que nos vingamos de todas as derrotas da vida: a cada gol do meu time eu me sinto um vencedor.
De tão humano, usou os defeitos para criar qualidades. A rivalidade – que mata e espanca – é a mesma que faz a brincadeira bem humorada, a gozação de toda segunda e quinta feira, as gracinhas nas redes sociais e etc. Quantas amizades não foram construídas graças à rivalidade? Alguns dos meus grandes amigos conquistei discutindo futebol e falando mal dos seus times, enquanto defendia o meu com unhas e dentes. É divertido, e mesmo que seu time seja superior ao do amigo, a discussão nunca tem um vencedor.
O grande mal da humanidade é a inveja. No caso da paixão futebolística não é diferente. Quem não tem um amor desses (ou torce pra Portuguesa, CSA, Tuna ou sei lá) fica falando mal de quem ama. Ora essa, onde já se viu criticar um homem por amar?! E não adianta falar “ele não gosta de futebol, ele é gay!”. Isso é mentira, pois conheço muitos torcedores do Grêmio, Fluminense e São Paulo e eles adoram futebol. É coisa de pseudo-intelectual. É como falar que não gosta de escola de samba ou da globo. Soa bonito para um ego inflado. Pensa que é um Aristóteles do século XXI. Talvez se deixassem o sentimento fluir logo perceberiam o carrossel que iria tornar suas vidas e assim deixando o nobre coração torcedor em paz. Quem ama aceita as consequências de sofrer e gosta disso.
Por base em todo esse longuíssimo e extenuante texto, trago minha tese: o futebol tem asas de anjo em carne humana. É uma força maior que nos guia, que nos faz comemorar efusivamente cada gol pró e cometer um autoexílio na solidão de cada gol sofrido. Se dizem que o melhor amigo do homem é o cachorro, a melhor amiga com certeza é a bola.

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