terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um ensaio sobre si mesmo

                É definitivamente muito estranho voltar a postar aqui. Da ultima vez que loguei no Blogger eu estava começando a estudar pra prova de residencia. Ou melhor, estava no início do internato do curso de medicina. Era começo de 2013. Muitas coisas mudaram. Nova cidade, novas responsabilidades, novas atitudes e novas idéias. Entretanto, todo tipo de mudança requer constante vigilância sobre si mesmo. Ter certeza do que de fato se é ou do que se acha que é, certeza dos seus objetivos na vida e o que se está fazendo para conseguir tudo isso é fundamental para o processo. Muitas vezes, quem é acostumado a lhe observar não acredita que as coisas possam ser alcançadas e até se surpreendem quando acontecem. Não seja você mesmo essa pessoa.


  A cortina e o Palco

Sou um intervalo de mim mesmo
fluido, pacato e obsceno.
Num espetáculo que ninguém vê
ou num ensaio para o efêmero.

É quiescente e revolta essa cena. 
As primeiras filas cochicham: -Eloquente!
Surpreendem-se do crítico ao porteiro.
Nem a atriz principal no camarim esperava
a mudança repentina do roteiro.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Versos tropicais

Delírio

Se sou seco,
é porque não me regaram.
Hei de rogar à Mãe-do-Mato:
Dá-me um pouco de lágrimas
misturado no teu orvalho.

Uma água fina,
sem pompa de tempestade,
sem enchente nem gritaria,
que embarace os cabelos da Iara
e apague o rastro do Curupira.

Tira-me as ervas,
que exaurem meu caule já ermo.
Chama doutor, Ubanda e Pajé.
Santas heras parasitas
no meu corpo de Igarapé.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Versos com Desamor

       Hoje o Leianoverso não trás nenhum poema meu. Nesta postagem venho fazer uma análise sobre o fenômeno mais "estudado" nos textos em verso: o Desamor. Desde o trovadorismo que ele vem sendo assíduo na nossa Literatura, e não é pra menos: o desatino de uma paixão faz o poeta/compositor perder o sono e buscar consolo no papel.
        Na Música Brasileira é uma figurinha carimbada. Está presente em todos os ritmos. No forró o homem abandonado tenta demonstrar que está curtindo a vida; no sertanejo ele se entrega e mostra o âmago do seu sofrimento; na MPB e Rock mostra o homem "zuado", que parece ter escrevido bêbado tudo aquilo, não como uma música, mas como um desabafo.
     Algumas mulheres ficaram famosas na nossa música. Uma fama ruim: foram conhecidas por terem abandonado seus companheiros e causado tamanha tristeza a ponto de gerar uma música dessas. Extistem várias: a Rita do Chico Buarque, a Marina do Dorival Caimmy, a Ana Júlia do Los Hermanos, Doralinda do Cazuza e etc. E até na música internacional, como Angie dos Rolling Stones e Layla de Eric Clapton (essa que deu briga com o Beatle George Harrison).
       Enfim, selecionei as - na minha opnião - as duas principais vilãs da nossa música. De origens distintas, a goiana "Mariane" do Bruno e do Marrone e a "Inês" do paulista Adoniram Barbosa. A primeira da primeira década deste século e a outra de 1956. Ainda está pra nascer um veneno maior que o dessas duas víboras!
E pra você, quem é a grande vadia-vagabunda-rameira-rapariga da nossa música???



Bruno e Marrone

Marianne

No dia do aniversário do nosso namoro
Acordei até mais cedo
Doidinho pra te ver
E de repente ouvi a campainha
E que surpresa
Quando eu abri a porta
Flores mandadas por você
Quase não acreditei
Que elas eram pra mim
Mas quando li o bilhete que dizia assim:
"Nosso amor foi bom enquanto durou."
E eu chorando, segurando o maldito buquê
Perdido ainda tentando entender por quê
Nesse desespero comecei a te chamar:
Marianne,
você me prendeu.
Depois diz que não me quer.
Choro e grito por seu nome:
Marianne
Com você meu mundo é mais feliz.
Bate forte o coração.
Volta e vem amor, me ame,
Marianne.


Adoniran Barbosa

Apaga o fogo, Mané


Inês saiu dizendo que ia
Comprá um pavio pro lampião
Pode me esperar, Mané
Eu já volto já.

Acendi o fogão
Botei água pra esquentá
E sai no portão
Só pra ver a Inês chegar

Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra a rua feito um louco
pra saber o que aconteceu

Procurei na Central
Procurei no Hospital
E no xadrez
Andei a cidade inteira
Mas não encontrei Inês
Voltei pra casa
Triste demais
O que a Inês fez
Não se faz
E no chão bem perto do fogão
Encontrei um papel escrito assim

Pode apagar o fogo, Mané,
Eu não volto mais.

Pode apagar o fogo, Mané,
Eu não volto mais.


domingo, 30 de dezembro de 2012

Feliz ano novo!

Eu poderia fazer o último post do ano com a poesia do Drummond que está na (ótima) propaganda do Bradesco. "Receita de Ano Novo" cabe em qualquer fim de ano possível. Pois é "dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre". Festas à parte, trago um poema reflexivo. A poesia em si é um grande instrumento de reflexão e resolvi usá-lo nos seguintes versos.


 Ilha

Sou uma ilha.
Ser um pedaço de terra envolto de água
não me incomoda.

Não me convém ser um continente.
A vastidão e a grandeza não me pertencem,
e a uniformidade me perturba.
Aliás, a Pangéia era nada mais
que uma ilha de ego inflado.

Sou ilha, não importa qual.
Se Florianópolis, Marajó ou Galápago,
sou um só, sem igual,
mesmo sendo de um arquipélago.

sábado, 22 de dezembro de 2012

A tecnologia e a poesia

   É inegável como a tecnologia tem evoluído nas últimas décadas. Com o advento da internet e com a evolução dos meios de comunicação, o consumidor teve mais acesso ainda a essa tecnologia. (Praticamente) todos hoje tem um notebook, um tablet ou um smartphone (ou os três!). Invariavalmente todos os setores da economia e da vida - dos operadores das bolsas de valores à religião - precisaram se ajustar e incorporar a si a revolução tecnocientífica.
   Com a literatura não é diferente. Praticamente todos os escritores hoje usam tablets ou computadores para trabalhar, ao passo que muitos leitores abandonaram o papel e leem em suas telas. Mas e a poesia? 
Posso dizer que a poesia ainda não está incorporada ao processo. A composição do poema é diferenciada. No papel as idéias fluem mais facilmente. Agem como uma psicografia. Na digitação, não. É como se uma tese, um trabalho, estivesse sendo redigido. "Não existe mais poesia, e sim artes poéticas" - com diria Manuel Bandeira - se todos os poetas resolvessem aposentar a celulose. 



  A poesia do meu tempo

Há quem escreva poemas agora
em computadores e em telas de retina.
Nada contra. Nada principalmente a favor.
Os aplicativos exigem a perfeição e a forma.
O papel, apenas a licença poética.

Licença consentida.
O papel pede a caneta ou o lápis,
ou a pena, para o nostálgico.
A máquina te impõe pontuação e acentuação.
O papel te oferece a imperfeição.

Imaginem que chata a manchete:
"Encontrado backup de Camões".
Mas sempre é fantástico
o rascunho do letrista não sei onde achado.
Mofado, sujo e amarelado.

É comparar o gol de canela com o de bicicleta,
a comida da avó com a de conserva,
Garota de Ipanema num riff de guitarra,
com o dedilhado do Poetinha.
Assim também as poesias de pixels e de celulose:
são a mesma coisa;
a coisa é que não é a mesma.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A arte hoje: somos vítimas ou culpados?

    Estou há muito tempo sem escrever. Decidi voltar à atividade hoje. É um pouco sobre a nossa carência cultural. É mais fácil um artista rimar o nome de um carro e usar os clichês amor-dor, paixão-coração e etc. que realmente procurar inserir algum conteúdo no seu trabalho. O quadro se estende para a literatura. Os títulos em destaque apelam para sexy simbols (ora com gravata prateada, ora como ser hematófago) para atrais, em geral, leitoras carentes. Aposto que grande fatia comprou Crepúsculo por causa do ator, mas duvido que compraram "Iracema" pela beleza da protagonista ou "O Guarani" pelos músculos de Peri.
   Isso não é exclusividade tupiniquim. Os artistas que nos empurram goela abaixo vindo do "estrangeiro" preferem fazer clipes sensuais, letras apelativas e pronto. Não critico o público, pois se grandes artistas voltassem a ser prioridade para as gravadoras, editoras e para a mídia como um todo, o panorama estaria diferente.


Prisma

A poesia é o inverso de um prisma.
Junta as sete cores e forma uma luz.
Indissociável.

Se a luz se refrata em sete tons,
há sete sentidos. Sete sensações.
Se um verso é esquartejado em palavras,
não há nada a mais que caracteres enfileirados e vazios.
Apenas o reverso: as letras se juntam para fazer a razão.

Na aquarela, o azul até rima com o anil
e o laranja com o vermelho e o amarelo.
Mas pobre do verso que se contenta
em não ter razão para ter paralelo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Poema médico mais uma vez...

Anatomia de um poema


Posição anatômica: olhar no horizonte.
Então vou dissecando o poema.
Conto as sílabas poéticas como quem conta vértebras, 
processos espinhosos - como sabe ferir um espinho rimado! - 
e processos trans-versos. 


 Na Neuro começa o problema.
Há versos que me neuram, me marcam
e, nos feixes do sistema límbico,
o poema vai se enrolando de libido. 
Envolvente como a mielina em seu tecido. 


Vou examinando cada órgão
 e dividindo em estrofes e estratos. 
às vezes enxergo até uma imagem esquisita:
aqui ou ali um parasita. 


 Terminando o estudo. Está pronto: 
Tudo anotado. Logo será publicado. 
O corpo incidido e o poema estão abertos. 
Hora de dar os pontos...